segunda-feira, 15 de abril de 2013

Conto - Do que é feita a vida senão de sonhos?


“Do que é feita a vida, senão de sonhos?”
Veio me dizer naquela tarde o jovem sonhador da rua dos Alencares. E aliás, diga se de passagem, nunca vi nome tão extravagante para uma rua. O nome com certeza não era esse, mas era assim que todos nós a conhecíamos, pelo fato de lá ser a morada de quatro famílias com sobrenome iguais, mas que nunca se conheceram.
Mas esta não é uma historia sobre a rua, nem sobre a cidade, mas sim sobre as pessoas e seus sentimentos.
No momento mais amargo de minha vida, um velho, a beira da morte não poderia esperar muita coisa, senão relembrar seus velhos amores e as desilusões por eles causados. Tenho mais anos do que um garoto do primário possa contar e meu nome não passa de um borrão de tinta num pedaço de papel do cartório municipal.  Perdi meu grande amor quando tinha dezessete anos, e isso já faz tanto tempo, que é a única lembrança que tenho daquela época.
Eu a vi partir numa manhã de inverno, quando havia realmente inverno nessas terras, saiu pela porta como quem vai a padaria comprar o café da manhã e nunca mais voltou.
Recebi uma carta algumas semanas depois, dizendo que tinha seguido seu coração e embarcado junto à uma companhia de teatro norueguesa.  Nunca fiz objeções. Nunca falei dela antes, mas se a morte bate a porta de um velho, talvez seja a última vez que ele possa contar-lhe sua história.
Casei-me algumas vezes. Maria, Alice, Bernarda e Constância. A Todas dediquei amor, mas nunca um amor sincero. Nunca as traí. Nossos relacionamentos nunca duraram, porque mais dia ou menos dia, elas descobriam que eu era um velho amargo, cheio de lembranças de um amor passado que nunca morria.
E sim, viver de lembranças podem arruinar um homem.
Fiz dinheiro nos negócios, fui um bom pai e avô para com minha família, nunca deixei faltar absolutamente nada a nenhum deles. Mas faltava-me o amor. O amor perdido que foi que consumindo, consumindo, até que eu não conseguisse suportar.
E no final, quando o ciclo da vida se encerra, tudo o que tenho são as lembranças dela para meu consolo.
A morte chegou algumas horas depois da visita do jovem da rua dos alencares. Sentou elegante à mesa, e esperou que o café ficasse pronto. Sentamos e tomamos alguns goles, eu, sem açúcar e ela com uma pequena dose de conhaque que restara numa garrafa que eu nem lembrava mais que tinha.
No final, disse baixinho em meu ouvido: “ É chegada a hora, ela está te esperando do outro lado para viver tudo o que ainda não foi vivido.”
E então eu deitei-me no velho sofá da sala, pensando comigo enquanto partia:
“Do que é feita a vida, senão de sonhos?
...”

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