quinta-feira, 10 de março de 2011

Trecho do Livro: Cidade dos Desgraçados de Victor Máximo

Trecho do livro: Cidade dos Desgraçados

“Nada é mais triste do que uma cidade que esqueceu de como viver. O comodismo extrapolava o limite, e o extremo havia sido atingido há anos. Os velhos esperavam a morte calados, entediados por que ela demorava muito. Sedentos por qualquer novidade, esperavam que os jornais anunciassem um novo assassinato. Os casamentos corroíam-se aos poucos, em ritmo contrário aos índices de adultério. As criança, sem entender o que se passava com os pais, desaprendiam a sonhar. O ódio dos adolescentes, sedentos por conhecer os paraísos artificiais das grandes cidades, destruía tudo o que se referia a sua própria cidadezinha.
Entres as ruas suburbanas, a felicidade não tinha mais endereço. Toda essa energia negativa emoldurava as fronteiras da pequena cidade. Essa energia crescia, dosada dia a dia, como um enorme conta-gotas. Uma gota foi suficiente para verter a água. Eles sabiam que algo acontecia nos becos, nas noites sem estrelas. Mesmo assim o conta-gotas pingava. A energia procriava nas sombras, e eles sabiam, sentiam o cheiro. Mesmo assim o conta-gotas pingava. As mutações começaram, os gemidos cresciam, tornando-se gritos. Os gritos vibravam, distorcendo ainda mais a energia. Era como um círculo diabólico e vicioso. Em pouco tempo, eles não estavam mais nos becos e porões. Haviam ganho as ruas e as casas. Seria uma questão de tempo até que se apossassem dos corpos. Eles corriam soltos pela noite, devorando os que ainda acreditavam no amor. Mas não era amor, estavam se enganando, assim como haviam feito antes. Não havia amor naquela cidade. Um dia houve, mas não havia mais.
Até os animais e os insetos sentiam a mudança no ar. Um sentimento estranho brotava em cada um deles. Era a urgência. A urgência gritava para que saíssem enquanto havia tempo. Ninguém notou que os animais estavam fugindo. Os animais sempre percebem estas coisas antes. Só os ratos ficaram. Estes multiplicavam-se dia a dia, assim como a energia. Os ratos sabiam que em breve haveria muita comida. Eles tinham o seu papel nesta trama. Aguardavam ansiosamente pelo banquete, certos de que ele seria farto.
Alguns pássaros não haviam partido, na esperança de alertar a cidade. A missão dos pássaros era a de avisar que a noite seria mais longa, à medida que o dia seria apenas uma breve lembrança do sol. Mas eles não percebiam que os pássaros surgiam cada vez mais tarde.
A mensagem fora em vão. Não tardaria para que os pássaros sumissem também, assim como o sol. Sem o sol, a energia se tornaria mais densa, forjando as trevas necessárias para o seu retorno. Sim, em breve ele estaria de volta. Não que ele houvesse se retirado, estava apenas
aguardando. Suas crias brincavam pelo mundo, enquanto ele aguardava pacientemente que vertessem a água. Então, ele pisaria na Terra novamente. Havia portas abertas demais, seria impossível ignorá-las. Em breve, ele estaria de volta.”



“Esperamos pela luz mas contemplamos a escuridão.”
Isaías 59: 9

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